Os três espaços de atuação para a liderança efetiva

A ideia do exercício de liderança é algo que tem atravessado décadas, talvez séculos. Mesmo assim, e por isto mesmo suscita debates, livros, diagnósticos, programas de desenvolvimento. O exercício da liderança, reconhecidamente, é importante para 1º, 2º e 3º setores, ou mesmo para grupos informais nas mais diversas sociedades e culturas.

Esta importância motivou muitos pesquisadores e/ou centros de pesquisa, em Universidades de prestígio a buscar a compreensão da origem e do exercício e consequentemente a construção de formas de desenvolvimento e valorização da liderança.

Um deles foi Ram Charan, consultor de empresas, palestrante e escritor nascido em Uttar Pradesh (Índia), que desenvolveu um modelo bastante interessante de liderança, que fala da necessidade do líder de atuar em 3 esferas: como líder de si mesmo, como líder de equipe e como líder de negócios. Inclusive, recomendo fortemente a leitura de seus textos e livros, pois traz uma abordagem provocativa e bastante atual.

Acredito, que para amplificar o modelo apresentado pelo Ram Charan, o líder precisa buscar o equilíbrio em três “espaços de atuação” vitais, como mostra no diagrama abaixo:

Líder: a busca do equilíbrio

Na minha concepção, os 3 papéis que deverão ser equalizados são:

Papel 1: Indivíduo: manter-se integro na capacidade de continuamente gerar valor a partir da busca de um equilíbrio das demandas internas e externas, baseado em valores sólidos poderá ser determinante para fixar bases do equilíbrio emocional e psicológico de uma vida pessoal e profissional (há separação?) saudável. Sem a capacidade de buscar este equilíbrio, este líder não conseguirá gerar o valor que ele declara, impedindo os outros dois papéis.

Papel 2: Membro de um grupo ou equipe – continuamente e de forma crescente, os profissionais são demandados para integrarem um grupo de trabalho, de projeto, uma squad, em suma, uma formação que exige disposição para a comunicação, o compartilhamento e a cooperação que são essenciais ao cultivo da sinergia e portanto, de resultados superiores à atuação solitária o individual. Um líder, atualmente, precisa despir-se do sedutor status e conseguir um exercício de saber mudar de posição rápida e continuamente: estar “junto” ombreando os outros do time e, estar “à frente” inspirando e desenhando caminhos.

Papel 3: Representação Institucional – como profissional e notadamente para os gestores seniors, cada vez que uma opinião é expressa, um posicionamento é reconhecido, aqueles que o seguem ou tem como referência, verão ali a opinião da organização e não de um indivíduo isolado. E não se trata de um erro: um gestor que lidera, é desafiado a ser um representante qualificado da organização que o acolhe e escolhe, como interlocutor dos grupos que ele precisa mobilizar. Portanto, este é o seu papel mais nobre e de maior responsabilidade: representar a organização que ele representa, ser a voz dos valores, a vivência do Propósito.

Liderança: definição e o que acredito ser

Até o momento, não defini especificamente o que é ser líder. A definição que uso é simples e pragmática: liderança é o desejo e a capacidade de mobilizar pessoas para desafios na busca de resultados superiores. A qualquer tempo, em qualquer lugar, em todos os contextos. 

Em primeiro lugar, liderança não se define a partir de juízo de valores, sobre o seu exercício ou sobre os seus resultados. É difícil, mas necessário considerá-lo sem julgamento para compreender sua gênese e até a sua legitimação por grupos sociais. Isto já foi compreendido por muitos estudiosos do tema, mas é absolutamente necessário ressaltar e demonstrar para aqueles que se iniciam no tema.

Como os efeitos do exercício de liderança podem não ser desejáveis para a sociedade como um todo, e são bem conhecidos em nossa história líderes de grandes capacidades de mobilização que cometerem crimes em larga escala, e por este motivo surgem abordagens para “separar joio do trigo.

Em consequência, surgiram definições como “liderança positiva”. Genericamente falando, é aquela em que os resultados do exercício de mobilização de pessoas, trouxe ou traz resultados positivos, desejáveis e construtivos para um grupo ou para toda a sociedade. Acomoda-se assim a nossa necessidade de qualificar a liderança sob a questão dos valores e, mais, declarar que apoiamos o surgimento ou desenvolvimento, desde que esta capacidade seja “bem usada”.

Adaptando a definição que utilizo, declaro que liderança: é o desejo e a capacidade de mobilizar pessoas para desafios na busca de resultados superiores e positivos para a sociedade.

É bem certo que se entrarmos a fundo em análises e debates, à luz das discussões que toda a nossa sociedade tem se envolvido sobre diversidade e inclusão, teremos que desconsiderar um bom conjunto de executivos e empreendedores (focando nas empresas privadas), consagrados ao longo da história das corporações. Mas seria incentivar o revisionismo que tem acometido a nossa literatura, as artes e que mereceria uma discussão à parte.

Liderança: exercício cotidiano 

Como a definição deixa evidente, insisto que liderar é inicialmente algo que alguém deseja e gosta de fazer. E, a partir de mobilização de seus próprios recursos, o indivíduo que quer liderar, poderá buscar o aperfeiçoamento de capacidades que o permitirão exercitar em diferentes contextos ou culturas. 

E alguém poderia questionar:  liderar é uma capacidade inata ou suas bases são? Depende de aptidão? Pelo que tenho pesquisado, poucos autores de respeito arriscam ser tão categóricos ou absolutos sobre a origem desta capacidade individual para afirma-la como inata ou totalmente desenvolvida no processo de formação da cultura individual.

Nota-se no entanto, que o processo da formação da cultura individual, sedimentado dia após dia em todas as situações, exemplos, experiências vivenciadas são determinantes nesta capacidade. Raramente veremos alguém florescer, do dia para noite, como líder aos 40 anos de idade. O processo é longo e esta capacidade é cultivada e consolidada ao longo da vida.

Nós, seres humanos modernos, temos pressa. E produzimos sínteses, processos, programas de desenvolvimento. Nesse caminho procuramos a conexão cotidiana e nos baseamos em muitos exemplos. E muitas vezes li, na literatura especializada e não especializada, o termo “a liderança se dá pela exemplariedade”. Ressalva:  entendo a intenção da formulação, mas é necessário corrigí-lo. A liderança será sempre o ato de mobilizar. O que ocorre na “exemplariedade” é a inspiração que o líder gera e mantém com consistência entre o discurso e a prática. O teste de consistência para reconhecermos seus valores “reais” e não os declarados.

O equilíbrio entre os três  “papéis” possibilitará que este líder materialize e se responsabilize pela concretização e multiplicação dos princípios da Cultura e do direcionamento da Estratégia. 

Isto concretizará o seu papel mais nobre e duradouro e permitirá que ele consiga abandonar a segurança da autoridade de gestor. Ser um gestor, para um líder assim, é uma consequência da sua capacidade de mobilizar pessoas, construindo a Estratégia, desenvolvendo a Cultura.

*João Roncati é diretor da People + Strategy, consultoria de estratégia, planejamento e desenvolvimento humano. Mais informações no site http://www.peoplestrategy.com.br/