São em momentos difíceis que se descobrem as verdadeiras lideranças. E cada vez mais, com equipes de gerações e mentalidades mais diversas, com novas culturas e tecnologias, o desafio de liderança só tende a aumentar. Um caminho possível de resposta pode ser prestar mais atenção aos afetos, à individualidade de cada membro do time.
Spinoza é conhecido como o filósofo dos afetos, tendo dissecado dezenas deles (amor, ódio, melancolia, ciúme, soberba, inveja, desejo etc.). Viveu em Amsterdã no séc. XVII, morreu aos 44 anos com uma obra imensa escrita e teve Einstein como seu seguidor mais famoso.
Um grande aprendizado de sua filosofia que pode ser trazido para o mundo corporativo é o conatus, um conceito que descreve a potência de cada pessoa, sua força de perseverar. Tudo o que acontece conosco afeta nosso conatus positivamente (gerando alegria e contentamento) ou negativamente (gerando dor e melancolia). E, da mesma maneira que temos paladares e gostos diferentes, cada individualidade tem seu “ritmo” de resposta a bons e maus encontros.
A cada minuto, somos afetados tanto de fora para dentro quanto de dentro para fora. Segundo Spinoza, “quando a mente é tomada de algum afeto, o corpo é, simultaneamente, afetado por meio da qual sua potência de agir é aumentada ou diminuída.”
Internamente, nossos pensamentos e funções biológicas fazem nosso conatus flutuar. Se você tem sede e pode tomar uma água, sente alegria. Se não tem como matar a sede, sente dor. Se você fica relembrando de um erro que cometeu, pode sentir vergonha e, com isso, baixar seu conatus. Se por acaso lembra de alguma conquista, fica satisfeito consigo mesmo e eleva seu conatus.
Do lado externo, ainda mais durante uma grande tragédia como a epidemia do covid-19 em que vivemos, somos afetados sucessivamente no encontro (hoje mais virtual) com outras pessoas, por notícias e eventos. Cada encontro desses afeta nossa força de perseverar. E aí entra o papel do líder em impulsionar positivamente o conatus de sua equipe. Com tantas más notícias, tantos medos e dores, como garantir que, ao menos no trabalho, todos tenham suas potências aumentadas?
Um conatus negativo pode levar a baixo desempenho e a novos conflitos que, em outros contextos, não emergiriam. Por mais “boa vontade” e ânimo que cada um tenha para trabalhar, por mais automotivação e discursos inspiradores, Spinoza afirma que ainda somos frágeis em relação ao mundo externo: “a potência humana é bastante limitada, sendo infinitamente superada pela potência das causas exteriores.”
Mas o que um verdadeiro líder pode fazer? O primeiro passo é reconhecer que cada evento, cada encontro afeta de modo diferente cada membro da equipe. É o famoso ditado popular, também citado por Spinoza em seu livro Ética: “cada cabeça, uma sentença”. Então, você conhece o que aumenta ou diminui o conatus do seu time? Quem se empolga com um novo desafio inesperado e quem se desestabiliza? Como está o momento do seu time? Você gerencia individualmente as diferentes reações aos afetos externos que seu time recebe e reconhece alavancas para cada colaborador?
Ao identificar o que aumenta a potência e a particularidade de cada um, o líder se torna mais próximo, mais inspirador e gera confiança para atravessar momentos difíceis. Ao ouvir, reconhecer e atuar sobre o que aumenta a “força de perseverar” de seu time, você melhorará o clima, a colaboração e os resultados, tornando-se um líder spinoziano, um verdadeiro transformador de conatus. E as complexidades da interações e culturas corporativas atuais demandam esse novo tipo de liderança.
*por Leandro Franz, sócio e consultor da People+Strategy. Mestre em Economia com especialização em Teoria dos Jogos pelo Insper e economista pela UFSC. Mais informações em www.peoplestrategy.com.br