Dizer que estamos vivendo na Era Digital é absolutamente redundante, considerando no mínimo que o celular virou uma extensão de nossos corpos físicos para um número muito grande de pessoas. Chega a ser engraçado que muitas pessoas saem do banho enrolados em suas toalhas e com celular em uma das mãos.
O que tem mexido e provocado reflexão, manchetes e até algum grau de alarmismo, é a extensão e a profundidade que este movimento tomará num futuro próximo. A Revolução 4.0 é um tema que chama muito a atenção de um número crescente de profissionais de todos os níveis e de todas as áreas.
No meio de muitas informações e um bocado de especulações, é necessário definir a motivação exata para que alguém ou alguma empresa avance na sua digitalização. Vamos ao exemplo mais simples, e usando ainda o celular como extensão do corpo das pessoas: numa pesquisa informal, e entre os jovens, principalmente, é bastante difícil obter uma resposta afirmativa e exata para a motivação de troca de seu último aparelho de telefone. Grande parte das respostas gravitará entre “atualização” e “o mais novo tem mais câmeras”. Esta lógica até pode definir padrões de compras de pessoas físicas, mas não deveria sequer ser considerada para pessoas jurídicas, ou organizações. E, embora racionalmente pouquíssimos profissionais em sã consciência devessem adotar tais argumentos, às vezes desconfio que atrás de justificativas rebuscadas, estão apenas o desejo de atualização da tecnologia, de alguns currículos e a tentativa de uma modernização pouco específica. Não é um bom caminho para o comprador, apenas para o vendedor.
Em um processo de revolução digital e expressivo aumento de competitividade entre empresas, um bom decisor deveria ter grande clareza dos motivos para adoção de novas tecnologias (ou aperfeiçoamento das que são utilizadas) e da alteração necessária de processos (operativos e de decisão) para a digitalização. Esta preocupação deve ser orientada por três pontos relativamente simples (de serem estipulados, mas não calculados):
O retorno que a mudança gerará;
O custo e risco da transição;
A necessidade de adoção motivada por mudança na proposta de valor da empresa (ampliando ou mantendo capacidade competitiva), ou adição de valor perceptível pelos clientes ou público-alvo.
E qual deverá ser a velocidade de transição? O que será determinante é a velocidade de seus concorrentes diretos e indiretos. Olhando para os pontos citados: o retorno que a mudança gerará (item 1). Parece relativamente óbvio discutir que é uma premissa para um projeto ser aprovado, mas tenho assistido a grupos bastante profissionais e com grande expertise técnica menosprezarem, conscientemente ou não, este cálculo. E, muitas justificativas acompanham a ausência destes números: “é difícil calcular”, “os ganhos são transacionais e não é possível defini-los em termos de receita/despesa/lucro” etc.
Outras justificativas afirmativas são quase apelos inespecíficos ou ameaças veladas: “se não mudarmos ficaremos defasados (?)”, ou a “concorrência já mudou”, ou “sem isto, não conseguiremos operar mais nossos sistemas”… e por a[í vai. As afirmativas ou apelos podem ser verdadeiros, mas não podem prescindir de um cálculo econômico que suporte a decisão.
Sobre o argumento número 2, custo e risco da transição, este sequer é considerado. Em geral é uma premissa ou pergunta que não está presente nos frames/formulários de projetos e junto com riscos da mudança, representam enormes ameaças ao sucesso e representarão seguramente, custos ou despesas não considerados na valorização dos projetos. O que significa que “estourar o orçamento” passará a ser a premissa.
Embora pouquíssimos profissionais assumissem que esta será uma premissa, desconsiderar os custos e riscos da transição é imaginar que no processo de digitalização, “plug and play” é aplicável. Nem na troca de nossos celulares conseguimos não investir algum tempo e reinstalar apps, atualizar dados ou fazer a migração de informações gravadas, como uma agenda, quando as coisas dão certo.
Sobre o item 3, mudança na proposta de valor, aqui a complexidade é ainda maior. A digitalização deve ser motivada por ganhos na capacidade competitiva, geração de diferenciais e de valor aos clientes. Estes são os motores de uma organização diante de seus concorrentes e de seu mercado. O que nos coloca na base da digitalização: automação e/ou ampliação expressiva de capacidade analítica sobre variáveis de grande impacto sobre o negócio. E embora encontremos Business Cases e Business Plans com discussões a respeito, em geral, a especificidade é baixa o que limita enormemente medir o sucesso de todo o processo, o seu custo real e os benefícios da jornada.
É possível não entrar na era da digitalização? Afirmativamente não. Por este motivo o compromisso de fazê-lo trazendo benefícios concretos é vital e não pode ser apenas um item em uma planilha de projetos. Deverá ser a motivação mestra que definirá a velocidade, a quantidade de recursos alocados e os impactos que ela terá sobre a estrutura, os processos ou o modelo de negócios de uma organização.
*João Roncati é diretor da People + Strategy, consultoria de estratégia, planejamento e desenvolvimento humano
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