O mundo empresarial vem vivendo impactos profundos e progressivos com a digitalização. Estas mudanças trazem impacto no modelo de negócios, nas cadeias de valor, na estratégia e no planejamento.
Em primeiro lugar, é necessário definir o conceito de “planejamento estratégico”, que passou por profundas mudanças ao longo de nossa história. Corro o risco aqui de uma síntese excessiva, mas dois expoentes da Administração nos ajudam. Segundo Igor Ansoff, nos anos 40, Planejamento é um processo que abarca todas as intenções e o seu esforço de realização. Já na década de 90, Henry Mintzberg propôs uma revisão: Planejamento tem origem na organização dos recursos necessários à implementação da Estratégia. Mas a Estratégia define-se muito menos linearmente e precisa culminar no posicionamento da organização dentro de seu mercado. Seus elementos de alavancagem: dados, cenários, insights, intuição, criatividade e tudo que puder ajudar.
A revisão de conceitos foi motivada pela observação de organizações longevas: muitas que tiveram sucesso no sistema capitalista não utilizavam um processo único de planejamento e estratégia. O que se encontrou, num grande resumo, foram dois ciclos separados e “vaso comunicantes”.
O primeiro é o da estratégia, onde se organizam todas as intenções do modelo competitivo, definindo o posicionamento de uma organização. Nessa fase o fundamental é colecionar o máximo de informação possível, provocar discussões e reflexões, construir um conjunto rico de hipóteses e, partir daí tomar as decisões para competir no ambiente volátil e dinâmico do mundo digitalizado.
O segundo ciclo é o do planejamento – que é o dimensionamento de esforços para colocar essa estratégia em prática. Um exercício racional e linear, formado por “linhas e colunas” onde devem ser ordenados todos os recursos necessários à implementação da estratégia, em uma linha de tempo, priorizada e com liderança clara. Os dois processos são fundamentais, mas requerem competências específicas diferentes!
Em um mundo fortemente digitalizado, estes conceitos mudaram? Ou mudarão?
Não mudaram de importância e nem em sua gênese. Como todo modelo ou método, mudaram as variáveis e não as atualizar ou não estar sensível para essas mudanças pode condenar o resultado por obsolescência! Não mudaram as ferramentas, mas o contexto do seu uso.
A atualização contínua nos obriga a ver que tem mudado a dinâmica de competição entre empresas, seja pelo enorme número de startups que ganham capacidade rapidamente ou porque passamos a ver a competição não convergente, ou seja, empresas que sequer são do mesmo setor ou indústria competindo.
A dinâmica competitiva não está mais no resultado do uso do bem ou serviço, mas no valor que ele pode gerar. A competição está em como uma necessidade de um cliente será atendida e não, necessariamente, por quem. Hoje clientes aceitam soluções de fornecedores pouco tradicionais ou de setores que sequer faziam parte de sua cadeia de valor!
Num mundo acelerado pela digitalização, criando cruzamentos entre segmentos antes inimagináveis, já foram criadas três diferentes pressões que podem ser desafiadoras no reposicionamento estratégico.
A primeira é que os clientes estão muito mais informados do que já foram em qualquer período da história. Não existe mais, ou passou a ser inexequível, o conceito de fidelidade, facilitando a migração, sem ressentimentos, para a compra de soluções e produtos de um concorrente (com exceção de monopólios e oligopólios).
A segunda é que a eficiência ganhou mais importância do que nunca somado à velocidade necessária de compreender seu público-alvo e ser efetivo numa oferta de valor elevado ou pelo menos diferenciadora.
Já a última é que o ambiente competitivo é muito mais complexo e o número de informações e análises possíveis e necessárias para que a empresa se reposicione é superior a qualquer momento da história do capitalismo. Quem tem capacidade de gerenciar grandes massas de dados e analisá-las, tem em mãos ‘diamante bruto’ e maiores chances de ter sucesso.
Refletindo sobre essas três pressões, é possível traçar uma estratégia sobre como gerar mais valor da digitalização. Este é um caminho que requer novas competências e investimentos significativos. Então, ter clareza do que se busca é vital.
Qual olhar a organização precisa ter nesse cenário? Ou como se preparar, então, nesse cenário?
O primeiro ponto é aprofundar o conhecimento do público-alvo. Saber quem ele é e como se comporta – muito a partir da captação e análise profunda de dados, gera valor e ajuda a conquistá-lo como cliente. Mobilizar e analisar muitas informações será essencial!
O segundo é a geração da eficiência contínua no seu negócio. A partir de bases de dados organizadas e analisadas, contínua revisão de processos e inserção de tecnologia (para automação e/ou digitalização) será possível relembrar Michael Porter cultivando vantagens competitivas e a busca de diferenciação.
Com essa competitividade vinda de empresas e segmentos da indústria, que estão em paralelos e não são convergentes, a necessidade de repensar o seu negócio deverá ser contínua, o que não deve ser visto como algo ruim ou exaustivo. Mas um processo criativo e até divertido!
E por que não repensar o negócio e mudar totalmente os rumos? Foi-se o tempo de que era um orgulho fazer a mesma coisa há 30 ou 40 anos, por exemplo, e não enxergar a obsolescência crescente. E quantas empresas não padeceram por não mudarem seu core business?
Novos mercados estão em criação e pode ser a oportunidade perfeita para tomar novos rumos que definirão o futuro da organização a partir de uma alavanca que pode já estar instalada em seu negócio. Mas como então colocar tudo isso em prática?
Fundamental: reserve tempo para fazer isso. Normalmente os líderes são consumidos por atividades táticas e operacionais e sobra pouco tempo para parar e refletir sobre o posicionamento do negócio. Não se orgulhe de investir todo o seu tempo “apagando incêndios” como já é habitual em muitas organizações.
Pare e preste atenção nas variáveis do macro ambiente, perceba que a estratégia e o posicionamento no mercado não se dão apenas em uma mesa de reunião, nem em um único (e mágico) movimento. É da organização para fora, com conexão com clientes e outros stakeholders, num processo contínuo e progressivo.
Outra questão é a de mobilizar pessoas (capital humano!) para pensar cenários e as dinâmicas do futuro. É importante: trazê-las para discutir e refletir. Todos desejam fazer parte de uma história de sucesso e, orgulhar-se de ter contribuído. E isto não significa entregar o poder de decisão, mas compartilhar a viabilização do futuro, convergindo visões e opiniões diferentes, ampliando perspectivas!
Em 1921, Maurice Braudel (filósofo) já afirmou que o “futuro não pode ser previsto, mas pode ser preparado”. Num mundo digitalizado esta afirmação está cada vez mais atual.
*Por João Roncati, diretor da People + Strategy, consultoria de estratégia, planejamento e desenvolvimento humano.