As empresas modernas falam cada vez mais sobre diversidade, inclusão, inovação e transformação digital. Mas há um tema pouco discutido, ainda que impacte diretamente a competitividade e a cultura organizacional: o apartheid da aprendizagem.
O termo pode parecer forte, mas traduz bem a realidade de muitas companhias. Enquanto executivos e líderes recebem treinamentos sofisticados, experiências imersivas, programas internacionais de desenvolvimento e acesso às metodologias mais atuais, os profissionais da base da pirâmide — que sustentam a operação no dia a dia — continuam sendo treinados com materiais pobres, genéricos ou defasados.
Essa disparidade cria uma barreira invisível, que separa os que estão preparados para o futuro daqueles que permanecem presos ao passado. Na prática, estabelece-se uma contradição: fala-se em inovação como valor estratégico, mas a própria empresa alimenta uma desigualdade que compromete sua capacidade de inovar.
Exemplos de desigualdade na aprendizagem corporativa
Algumas das maiores companhias globais têm investido em universidades corporativas ou hubs de treinamento que oferecem experiências personalizadas e conteúdos avançados — mas em sua maioria destinados a gestores e áreas estratégicas. Em segmentos como bens de consumo, tecnologia e serviços digitais, esses centros de aprendizagem resultaram em ganhos expressivos de engajamento e produtividade. Ainda assim, a base operacional muitas vezes recebe apenas treinamentos padronizados, com menor impacto no desenvolvimento profissional.
Em outro exemplo, empresas gigantes dos setores farmacêutico e esportivo investiram fortemente em programas de inteligência emocional para executivos. Os resultados mostraram avanços relevantes em clima organizacional, comunicação e produtividade. Porém, esse tipo de iniciativa raramente se estende com a mesma profundidade aos níveis operacionais, perpetuando a desigualdade no acesso a habilidades cada vez mais essenciais.
Essa prática não é isolada. Uma pesquisa realizada em 2023 pela CYPHER Learning, com 4.000 profissionais nos Estados Unidos e Reino Unido, mostrou que:
- 88% dos executivos C-level têm liberdade para escolher quando, onde e como fazem seus treinamentos.
- Entre os funcionários iniciantes ou de nível intermediário, apenas 37% possuem essa flexibilidade.
- 42% dos executivos afirmaram ter feito mais treinamentos no último ano, contra apenas 17% da base.
- Líderes são quase três vezes mais propensos a considerar seus treinamentos divertidos e inspiradores, enquanto 42% dos colaboradores da base descrevem os treinamentos como entediantes, e 36% usam a expressão “death by PowerPoint”.
Essa pesquisa evidencia que os treinamentos destinados aos líderes tendem a ser mais customizados, motivadores e frequentes, enquanto a base da organização permanece com experiências de menor qualidade.
O impacto da desigualdade na aprendizagem
Ignorar essa diferença não é apenas uma questão ética, mas também estratégica. Quando a base da organização não recebe treinamentos de qualidade, o impacto é direto em áreas cruciais:
- Erros e retrabalho se multiplicam, porque os colaboradores não estão atualizados sobre processos, normas ou ferramentas.
- Adoção de novas tecnologias se torna mais lenta, já que os times não recebem suporte adequado para aprender a utilizá-las.
- Rotatividade aumenta, pois profissionais percebem que não têm as mesmas oportunidades de desenvolvimento que outros níveis da empresa.
- Engajamento diminui, e com ele a disposição de contribuir com ideias, inovações e melhorias.
Ou seja, ao investir de forma desigual na aprendizagem, a empresa cria gargalos que travam seu próprio crescimento.
A democratização como estratégia
Superar o apartheid da aprendizagem exige uma mudança de mentalidade: o conhecimento precisa ser encarado como um direito organizacional, e não como um privilégio de cargos estratégicos.
As ferramentas para essa mudança já estão disponíveis. Plataformas digitais, realidade virtual, realidade aumentada, simuladores e recursos interativos permitem criar treinamentos envolventes e acessíveis para qualquer nível hierárquico. A personalização por dados possibilita adaptar conteúdos de acordo com o perfil de cada colaborador, garantindo mais efetividade.
Não se trata apenas de oferecer conteúdos mais atrativos, mas de construir uma cultura em que todos aprendem juntos — líderes, gestores, técnicos e operacionais. Afinal, não faz sentido preparar a liderança para o futuro se aqueles que executam a estratégia permanecem no passado.
O futuro da aprendizagem é inclusivo
Romper com essa lógica é mais do que uma questão de justiça interna. É uma estratégia de competitividade. Empresas que democratizam o acesso à aprendizagem constroem equipes mais preparadas, motivadas e alinhadas com os desafios da transformação digital.
A inovação não acontece em silos. Uma companhia só se torna realmente inovadora quando todas as suas áreas estão em sintonia, e isso só é possível quando o conhecimento circula de forma equânime.
O apartheid da aprendizagem precisa ser superado para que possamos construir organizações mais ágeis, humanas e sustentáveis.
*por Sergio Krivtzoff, co-fundador e diretor de Operações da NextGen Learning, empresa brasileira especializada em treinamento de alto impacto. Mais informações no site www.nextgenlearning.com.br