As empresas estão investindo milhões em treinar jovens que não ficam: até onde vale a pena?*

Empresas do mundo todo continuam investindo milhões em programas de capacitação, estágios, trainee e academias corporativas para formar jovens talentos. No entanto, a permanência desses profissionais na organização é cada vez menor, levantando um dilema estratégico: até que ponto vale a pena investir tanto em quem não fica?

A mais recente edição do State of the Global Workplace 2025, da Gallup, mostra que o engajamento global de funcionários caiu de 23% para 21% em 2024, representando uma perda de US$438 bilhões em produtividade. Entre os jovens abaixo dos 35 anos, a queda foi ainda mais acentuada. A Gallup também revela que apenas 44% dos gerentes receberam treinamento formal, o que compromete a capacidade de liderar equipes engajadas e reter talentos.

Esse quadro não é apenas estatístico: já se reflete em grandes companhias. A Amazon e a AT&T, por exemplo, registraram comportamentos de jovens funcionários praticando o chamado task masking — simular produtividade sem entregar resultados efetivos — como resposta ao retorno obrigatório aos escritórios. Outro fenômeno crescente é o ghostworking, quando colaboradores aparentam estar ativos e produtivos, mas de fato não geram resultados. Já a Google, que sempre foi referência em engajamento, tem enfrentado críticas internas por parte de jovens talentos que relatam boreout, alegando falta de propósito em funções altamente repetitivas, mesmo dentro de projetos de inovação.

O fenômeno do boreout, o tédio corporativo, também ganhou atenção acadêmica. Pesquisas publicadas no PMC (PubMed Central, 2024) mostram que o tédio no trabalho está diretamente associado ao maior sofrimento psicológico e aumento da intenção de turnover, enquanto o engajamento reduz drasticamente a intenção de saída. Em paralelo, estudos neurocientíficos sobre multitasking comprovam que a prática reduz o foco, compromete a qualidade da entrega e intensifica a exaustão. Para jovens acostumados a lidar com múltiplos estímulos digitais ao mesmo tempo, ambientes corporativos lineares podem parecer desmotivadores.

O impacto financeiro da alta rotatividade é expressivo:

  • Substituir um colaborador custa de 50% a 200% do salário anual (Gallup)
  • Cada saída precoce representa perda de tempo, recursos e capital intelectual

Esse dilema não significa que formar jovens seja um erro. Pelo contrário: é indispensável. Mas para transformar investimento em retorno, é preciso olhar além do treinamento técnico. Organizações como a Microsoft e a Unilever, por exemplo, vêm estruturando programas de mentoria, rotação de áreas e projetos de inovação como forma de dar propósito e desafios constantes aos jovens. A própria Gallup aponta que práticas como coaching contínuo e clareza de carreira estão entre os fatores mais relevantes para aumentar engajamento e reduzir o risco de desengajamento.

No fim das contas, formar sem reter é desperdiçar potencial. As empresas que conseguirem alinhar capacitação, liderança preparada e propósito claro serão aquelas capazes de colher frutos reais em inovação, produtividade e longevidade de talentos em um mercado onde a geração mais jovem continua questionando não apenas o trabalho que faz, mas também o motivo pelo qual o faz.

*Luiz Alexandre Castanha, administrador de empresas com especialização em gestão de conhecimento e storytelling aplicado à educação, coautor do livro “Olhares para os Sistemas” e é CEO da NextGen Learning. Mais informações no site www.nextgenlearning.com.br