Estamos “ganhando tração” no ano de 2023. No ano “pós-pandêmico” continuamos num processo de adaptação e forte insegurança. Não é novidade que volatilidade e incerteza não só gravitam temas de palestras, textos e conversas, mas fazem parte contínua de nosso cotidiano. Evidentemente que são variáveis de nossa sociedade, desde que nos conhecemos convivendo em grupos ou bandos, mas não é preciso ir longe para percebermos a frequência com que eventos de toda natureza nos trazem sobressaltos. Ainda os vemos como “situações” que interrompem o curso “normal” das coisas.
Em meio a este contexto que ninguém mais ousa chamar de “novo normal”, ou por cansaço do termo ou porque era chamativo e excessivamente generalizante, me chama a atenção o quanto ainda temos dificuldade com a inovação. Esta dificuldade não é traduzida por incômodos ou desconfortos, mas pela forma generalizante e superficial com que tratamos a palavra. Nas organizações privadas, tenho forte impressão que substituímos facilmente a necessidade de desenvolver capacidade competitiva e/ou diferenciadora, pela palavra ou pelo verbo “inovar”, “precisamos inovar” é um bordão comum.
Outra abordagem frequente e que um amigo chamou de forma caricata e exata de “sexy”, é pelo uso de imagens lindas, edições de vídeos de robôs que pulam e dançam ou, recentemente, textos curiosos de IA´s como o do ChatGPT.
As duas formas são superficiais. Servem para o consumo de notícias e artigos, mas não para o desenvolvimento específico ou para a discussão de seus dilemas e contradições. Tema para longas e necessárias discussões.
Mas o ponto que queria abordar é que hoje, a chave inovação, como impulso e como solução, é a capacidade criativa de um ser humano. E ainda é.
Viemos da Revolução 4.0 (configurada na Hannover Fair em 2011!) que provocou excelentes discussões sobre a conexão do biológico com o digital, que progressivamente vai sendo inserida em nosso cotidiano. Ainda com olhar superficial, esperamos ansiosos como a tecnologia se “materializará” em nosso dia a dia, consagrando a Indústria (ou o cotidiano) 4.0.
Este é o olhar “externo”, ou do consumidor. Se você é um líder ou pretende estar envolvido na transformação da sociedade, precisa mergulhar mais fundo. Qual o cerne e a principal alavanca de desenvolvimento da Indústria 4.0?
De acordo com Zarpellon, diretor de inovação e tecnologia da Camara Brasil Alemanha (berço e difusora dos princípios da Revolução 4.0): “ “A Alemanha vê as pessoas como centro de sua estratégia (…) de desenvolvimento desta “revolução””.
Este é o meu maior ponto de destaque: ao enxergamos o potencial e as competências de indivíduos como a semente essencial para germinar esta revolução em qualquer indústria, estamos abrindo espaço para talvez, a Revolução 5.0 (termo não-técnico e aqui, metafórico).
O centro da 4.0 são as pessoas em três aspectos fundamentais da expressão e exercício da capacidade humana: primeiro, a construção da tecnologia que viabiliza e materializa a soma biológico + digital. Segundo, a mudança das funções do ser humano no processo produtivo (para funções mais nobres e com menor risco) e terceiro por considerar o cliente (um ser humano!) como um norteador dos parâmetros necessários de eficiência, qualidade e valor percebido e esperado.
Mergulharmos na pandemia e aceleramos o uso de tecnologias de comunicação e mobilização e “normalizamos” a palavra tecnologia. Se ela já estava inserida nos aparelhos que utilizamos cotidianamente e de forma quase imperceptível mediando relações (app de banco, celulares, etc), passamos a utilizá-la como instrumento básico e primário de contato (reuniões on-line, conversas em família em grupos virtuais, etc). Mas de novo, esta é a parte perceptível, ou seja, as soluções já na mão dos consumidores.
No campo da pesquisa e desenvolvimento, estamos assistindo à aceleração da Inteligência Artificial, já “cantada em verso e prosa”, em filmes e livros (Isaac Asimov…) há décadas. Mas que se torna perceptível pois passa a estar acessível, ao alcance de alguns cliques, para grande parte das pessoas com um computador ou smartphone.
IA´s, que são desenvolvidas por humanos (ainda…) é esta que eu chamo metaforicamente de Revolução 5.0. Nesta, não estamos nos referindo à associação do biológico e digital, mas da criatividade (mente) e digital. Aqui, capacidade analítica, criativa e sistêmica são competências altamente diferenciadoras, capazes de criar e destruir valor em escala global. E por estes efeitos, somaria ao trinômio acima (em negrito), valores dentro de um código de conduta moral e social.
A Revolução 5.0 é a que procuramos e desenvolvemos pessoas com excepcional poder criativo de interação e geração de valor do potencial das IA´s, mas que poderão também serem influentes ou determinantes sobre a forma que iremos utilizá-las.
Esta Revolução é a que exige o reconhecimento da competência de “inovar”, como algo necessário e possível de desenvolvimento, mas sem a superficialidade romântica da dependência de um gênio ou de um momento “ahaa” ou “eureca” de explosão criativa. Acompanhada, necessariamente, de um compromisso com uma sociedade democrática na perspectiva da inclusão e do exercício da cidadania.
E exige, sob o risco da Revolução 6.0, ser toda definida e comandada por IA´s autônomas e altamente sedutoras a ponto de serem admiradas como divindades.
A preocupação não é alarmismo, nem tem como objetivo o fatalismo fácil de retórica mobilizadora, mas assumirmos que somos “(…) o senhor de meu destino; Eu sou o capitão de minha alma”1.
- Trecho do Poema Invictus de William Ernest Henley, publicado em 1875 e (re) imortalizado por ser a inspiração de Nelson Mandela durante parte dos 27 anos que ficou preso, e disseminado pelo excelente filme Invictus (que retrata parte da vida de Mandela) de 2009.
*Por João Roncati, CEO da People+Strategy, economista, mestre em Estratégia e Planejamento pela Universidade de São Paulo e especialista em liderança, cultura e eficiência nos negócios.