Muito se fala em diversidade nas empresas. Aparentemente não temos dúvidas sobre o tema e sua importância. Principalmente porque no Brasil ganha contornos fortes de inclusão: aceitar a diversidade é abrir espaço para um grupo grande de nossa sociedade que, no passado, não tinha acesso à educação (por exemplo) que lhe qualificasse para ingressar e evoluir em sua vida profissional.
Mas diversidade não diz respeito apenas à esta fundamental e importante questão (inclusão e acesso). Temos aqui a convergência de duas abordagens fundamentais que, por elementos comuns, encontraram-se num contexto indesejado para uma sociedade democrática e igualitária.
A preocupação com diversidade nasce da busca do cultivo e abertura de espaço em que formas diferentes de “olhar”, perspectivas não convergentes, podem ser exploradas de uma forma que a criação e seus resultados possam ser melhores.
A possibilidade de um ambiente que respeite a diversidade nasce e requer uma redução significativa do uso contínuo da autoridade de pessoa ou do cargo em que ocupa, de tomar a decisão sozinha (ou mesmo opinar sozinha). Vem impulsionada pelo fato de que os mercados ficaram tão complexos, que passou a ser mandatório parar de desperdiçar capital intelectual já residente nas organizações e encarar a finitude de um empreendedor ou de um líder. Estes, por mais brilhantes que sejam, são falíveis e suas visões de mundo podem ser parciais ou tornarem-se obsoletas. Assim, ampliar os “olhares” e buscar a divergência para enxergar de diferentes ângulos, buscando maior consistência no processo de criação, análise e decisão passaram a ser vitais.
Assim é impulsionada a diversidade: aumento da complexidade.
Outro impulso fundamental veio do estudo sobre a forma como os humanos tomam decisão: o estudo da psicologia e da neurologia fizeram ampliar a nossa visão de quanto podemos ser falíveis.
Destaco ainda o estudo sobre processos criativos e inovativos: o pensamento divergente consagrou-se como exercício obrigatório, evitando a armadilha de uma forma dominante de “olhar” um problema e suas possíveis soluções, carregada de vieses ou vícios de apenas uma pessoa.
Mas é possível ver a diversidade de uma equipe sob a perspectiva dos seus benefícios matemáticos? Acreditamos que sim: um bom modelo para compreender o tema pode vir da filosofia “geométrica” de Spinoza**. Seu livro mais famoso e revolucionário já antecipa essa preocupação no próprio título “Ética demonstrada segundo a Ordem Geométrica”.
E o que a Ética de Spinoza tem a ver com diversidade? Tudo! Um conceito fundamental de sua teoria é o encontro de indivíduos diferentes e como esses encontros afetam cada um dos envolvidos. E não precisam ser humanos. Ele define indivíduo como qualquer coisa (objeto, coisa, pessoa, animal, bactéria), pois seu foco se dá nos encontros. Para ter uma ideia do que ele descreveu: uma pessoa tropeçar em uma pedra é um indivíduo tropeçando em outro. Um vírus invadindo uma célula também representa a interação de dois indivíduos. Uma gota de chuva molhando uma planta é um indivíduo (água) interagindo com outro (folha da planta).
Ainda no campo dos exemplos: imagine que você vai conhecer pela primeira vez o mar. Chega à praia e vê ondas gigantescas ali e fica com medo. Esse “encontro” com o indivíduo “mar” fica na sua memória como algo ameaçador. Se você nunca mais voltar à praia, para sempre o indivíduo “mar” será uma lembrança ruim. Exatamente aqui entra o exercício de buscar a diversidade: se você não desistir e buscar outras praias, descobrirá que cada uma tem sua característica, algumas são calmas, outras são mais transparentes, outras têm muitos peixes, outras algas e corais. Pior: guardará na memória uma definição de praia muito restrita e totalmente viesada por uma experiência única e limitante. Você dirá: não gosto de ir à praia, forjando um conceito absoluto e limitante, quando a natureza é capaz de nos apresentar uma diversidade de modelos e possíveis experiências!
Spinoza vê como positiva a organização que permita uma busca por novos encontros com cada tipo de indivíduo. Novas experiências. Ele afirma que “quanto mais um indivíduo é capaz, em comparação com outros, de agir simultaneamente sobre um número maior de coisas, tanto mais sua mente é capaz, em comparação com outras, de perceber, simultaneamente, um número maior de coisas”.
Assim, no exemplo que estamos utilizando, quanto mais encontros diferentes uma pessoa tiver com o mar, espontaneamente ou não, mais complexa fica sua memória e conhecimento sobre ele (o mar, ou o indivíduo). Até mesmo voltar na mesma praia em horários e dias diferentes trará outras percepções sobre aquele indivíduo. Ficar restrito a encontros iguais (mesma praia, mesmo horário, mesmo dia) reduz a capacidade de análise e a profundidade do conhecimento. O quanto isto se aplica aos nossos ambientes e desafios cotidianos? Você certamente já respondeu!
E aí que entra a diversidade. Quanto mais diversos e complexos esses encontros e experiências, maior é o exercício de olhar, compreender e analisar o mesmo indivíduo sob diferentes perspectivas (sensações ou informações organizadas). Consequentemente cresce em cada pessoa o conhecimento e a capacidade de gerar ideias novas sobre o tema específico e muitos outros que se apresentarem. Quanto mais aprendizados cada um leva dessas interações, maior possibilidade de surgirem insights inovadores, no mínimo perspectivas diversas a serem consideradas.
Voltando ao mundo corporativo, imagine que cada colaborador da empresa é uma “praia”: com inúmeras possibilidades na forma de se “apresentar” e interagir. Sendo assim, faz sentido olhar as pessoas a partir de categorizações que sejam “limitantes” como se eu definisse todas as praias por um conjunto pequeno de características? Não! Aliás, isto também é definido pelo termo “pré-conceito”.
Como esperar que serão geradas ideias inovadoras se todos veem uns aos outros a partir de classificações de “praias-padrão”? Impossível, ou, extremamente difícil.
Uma organização com indivíduos similares (mesma origem social, mesma formação, etnias, experiências de vida, histórico) possui dois grandes problemas: 1) os encontros pouco complexos e que produzirão as mesmas ideias clichês; 2) e a constante convivência com ideias clichês limitará o desenvolvimento intelectual de cada um, pela limitação do conhecimento gerado nas interações.
Caso estes profissionais não tenham acesso (organizado e respeitoso no sentido de terem o compromisso de realmente querer conhecer) a praias diferentes, os colaboradores manterão o mesmo preconceito sobre o mar, e seu horizonte criativo será muito limitado. Quando esse simplismo contamina as análises de cenários, do mercado, de concorrentes, clientes e produtos, pode ser a gota d’água para a empresa perder capacidade competitiva.
Aqui vale um último exemplo, mostrando a geometria das interações nos times. Analisando a figura, uma equipe de 5 pessoas possui 10 linhas de interação umas com as outras. Uma equipe de 10 pessoas já possui 45 linhas de interação. Adicione só mais 4 pessoas e as interações dobram, multiplicando as potencialidades!
Mas, imagine este conjunto maravilhoso de interações com todos os membros do time sendo similares. Que limitante! Praias muito parecidas, experiências que tendem a empobrecer a capacidade criativa no curto prazo.
Imagine o mesmo conjunto de interações com indivíduos diferentes (como preconizou Spinoza) com integrantes que trazem experiências, formação, origens, visões diversas. Em qual desses cenários você acredita que haverá intensa troca de conhecimentos, percepções e perspectivas? Consequentemente, em qual cenário será maior a competência para inovação ou mesmo maior profundidade de análise? A resposta parece óbvia.
Conclusão: temos a demonstração matemática dos benefícios da diversidade já desde o século 18. Lutar contra esse fato em pleno século 21 não passa de ignorância geométrica.
Reforça, como já dissemos, que hoje existem necessidades e escolhas morais de buscar maior diversidade nas equipes. Se a escolha moral não for suficiente, esperamos que essa justificativa matemática seja um divisor de águas para você rever o capital humano de sua organização.
E, já pensando em nosso próximo encontro: o ambiente para o cultivo da diversidade é o mesmo daquele marcado pelo encontro de similares? Certamente não é.
Para finalizar, vale aqui um agradecimento especial à Leandro Franz pelos inputs sobre Spinoza e a Teoria Matemática da Diversidade.
**Spinoza é conhecido como o filósofo dos afetos, tendo dissecado dezenas deles (amor, ódio, melancolia, ciúme, soberba, inveja, desejo etc.). Viveu em Amsterdã no séc. XVII, morreu aos 44 anos com uma obra imensa escrita e teve Einstein como seu seguidor mais famoso.
*Por João Roncati, CEO da People+Strategy, economista, mestre em Estratégia e Planejamento pela Universidade de São Paulo e especialista em liderança, cultura e eficiência nos negócios.