Por que CTOs e VPs de engenharia devem assumir o papel de guardiões da cultura*

Quando um engenheiro chega ao topo — como CTO ou VP de Engenharia — ele já provou sua capacidade técnica. Mas o desafio que vem a seguir é muito diferente: ganhar voz estratégica, influenciar decisões de negócio e sustentar uma cultura corporativa que alavanque o desempenho organizacional. Essa transição exige competências novas — e há evidências concretas de que acertar a cultura faz diferença real.

A cultura não é apenas “algo bonito no discurso de RH”. Um estudo global da i4cp mostra que organizações de alto desempenho têm 6 vezes mais probabilidade de ter uma cultura considerada “fitness” (saudável) do que organizações de desempenho mais fraco.

Além disso, a mesma pesquisa indica que essa “fitness cultural” explica quase 20% da variação de produtividade entre empresas (considerando tamanho e setor). Em outras palavras: cultura bem trabalhada não é “luxo”, é diferencial concreto.

A McKinsey, por sua vez, sustenta que a saúde organizacional — que integra cultura, estrutura, liderança e execução — ainda é o melhor preditor de valor sustentável.

No relatório State of Organizations 2023, a McKinsey mostra que organizações no quartil superior em comportamentos saudáveis registram até 40% menos risco de falha em iniciativas transformacionais quando comparadas às menos saudáveis.

E vale lembrar: estima-se que cerca de 70% das transformações corporativas fracassam por falhas culturais. Esses dados mostram que, para CTOs que desejam se tornar vozes executivas, liderar de forma compartilhada a cultura é mais essencial do que “saber mais tecnologia”.

Por que muitos CTOs não alcançam influência executiva

A resposta mais comum: não conseguem dialogar em duas linguagens — a da tecnologia e a da estratégia. Quando o CTO fala de pipelines, integrações ou infra - estrutura, a diretoria pode ouvir “mais custo, mais risco”. Para ser ouvido, é preciso traduzir conquistas técnicas em impacto comercial: “reduzimos falhas em X% e isso diminuiu custo de retrabalho”, “aumentamos velocidade de entrega e, com isso, ganhamos vantagem competitiva no mercado”.

Mas mesmo essa “tradução” só funciona se for respaldada por prática cultural. Decisões de metodologia (ágil, DevOps), estrutura de times, autonomia, modelo de carreira técnico — cada escolha carrega uma implicação de cultura. E é justamente na coerência entre discurso e prática que muitos líderes tropeçam.

Outro obstáculo: em muitas organizações, 20 a 30% dos cargos críticos não estão ocupados pelas pessoas mais adequadas — segundo McKinsey —, o que revela falhas no desenho de carreira, sucessão e alocação de talento.

Se tecnologia tem impacto direto no resultado, quem lidera tecnologia não pode ser relegado à execução: precisa ser parte da alocação estratégica de recursos.

Como um CTO pode agir hoje para ganhar voz executiva e moldar cultura

Não se trata de “implantar cultura” como se fosse um programa isolado, mas de agir de forma estratégica e contínua em pontos que moldam percepções, comportamentos e resultados. O CTO precisa ser um representante legítimo da cultura, o que ter comportamentos, liderar processos e expor simbologia coerente com a Cultura necessária para a organização do futuro.

1. Diagnóstico com evidências

Antes de propor mudanças, é fundamental saber onde a organização está. Use pesquisas de clima, entrevistas com lideranças, métricas de turnover, avaliações 360°, até indicadores como número de incidentes críticos ou retrabalho técnico. O diagnóstico embasa decisões e permite acompanhar impactos.

2. Escolha intencional de símbolos e decisões

Cada decisão técnica reflete cultura  – da stack escolhida às métricas, contratações e promoções. Se autonomia é um valor, confie mesmo sob pressão. Se aprendizagem é um valor, mostre isso dedicando tempo a revisões de código, comunidades e hackathons.

3. Narrativa de impacto

Não fale apenas dos aspectos técnicos: conecte iniciativas à estratégia de negócio, à proposta de valor da empresa, à retenção de talentos e à sustentabilidade. Por exemplo: “adotar microserviços não é para eliminar dívida técnica; é para aumentar capacidade de resposta ao mercado e viabilizar novos produtos”.

4. Multiplicação de líderes técnicos

Não entregue tudo nas suas costas. Identifique líderes emergentes, forme mentores, delegue decisões com contexto. Uma organização que depende de um líder único não escala. Criar uma rede de líderes técnicos é fundamental para que cultura e padrões se propaguem.

5. Monitoramento e adaptação

Cultura não se “fecha” como um projeto; ela evolui. Crie mecanismos de feedback (check-ins de cultura, comitês transversais, grupos de reflexão) e esteja pronto para ajustar rumo quando os sinais internos indicarem desalinhamento.

O retorno de assumir essa postura

Quando o CTO assume papel ampliado — como articulador de cultura e estratégia — os benefícios vão além da área de tecnologia. Uma cultura forte tende a gerar:

  • Maior engajamento e retenção: cultura alinhada reduz turnover e custos de contratação.
  • Melhor desempenho coletivo: equipes mais confiantes entregam mais e com menos falhas.
  • Maior credibilidade executiva: sua voz passa a ser ouvida no Conselho, na Diretoria, em decisões de investimento e priorização.
  • Maior resiliência a choques externos: culturas fortes são mais adaptativas frente a mudanças de mercado e crises.

Se 6× mais probabilidade de alto desempenho está associada a cultura fitness (i4cp) e se organizações saudáveis têm menos falhas em transformações (McKinsey), o caminho não é opcional — é estratégico.

Um convite: de hoje em diante

Se você é CTO ou VP de Engenharia e quer ampliar seu impacto, comece por:

  • Definir (ou revisitar) os valores centrais da sua área de tecnologia e como eles ajudam o propósito da empresa.
  • Investir em medir cultura de forma estruturada (qualitativa e quantitativa).
  • Comunicar resultados técnicos em termos de impacto no negócio.
  • Cultivar líderes internos e distribuir influência.
  • Tratar cultura e desempenho com a mesma prioridade de arquitetura e roadmap.

A transição de líder técnico para líder executivo é menos sobre apagar seu traço técnico e mais sobre expandir sua atuação. Essas escolhas de cultura são seu terreno de jogo. Se conquistar nele, você deixa de ser “o cara que entende de código” e passa a ser parte ativa da construção do futuro da organização.

*por João Roncati, CEO da People+Strategy, consultoria brasileira especializada em Planejamento, Estratégia e Recursos Humanos.