O Relatório Global de Desigualdade de Gênero 2023, publicado pelo Fórum Econômico Mundial, traz dados que, à primeira vista, parecem encorajadores: a paridade de gênero voltou aos níveis pré-COVID-19, e a desigualdade geral de gênero diminuiu 0,3 ponto percentual em comparação com a edição passada.
No entanto, um olhar mais atento revela um cenário alarmante: ao ritmo atual, serão necessários 131 anos para eliminar completamente as desigualdades de gênero. Para a paridade econômica, o tempo é ainda maior, chegando a 169 anos, enquanto a paridade política demandará 162 anos. Em outras palavras, só em 2154 poderíamos alcançar uma igualdade total.
Apesar do cenário global desanimador, há sinais encorajadores de aceleração em mercados específicos, incluindo o Brasil. Grandes centros econômicos têm mostrado um interesse renovado em políticas corporativas que priorizam a redução das disparidades de gênero. Vemos empresas implementando práticas de contratação que favorecem gêneros menos representados, e iniciativas para garantir a inclusão de mulheres em posições de liderança, como conselhos de administração e diretorias. Esses avanços, ainda que lentos, são notáveis e merecem destaque.
Temos observado uma mudança importante na qualificação e na competição de mulheres em setores onde anteriormente eram sub-representadas. Instituições como a Universidade de São Paulo (USP) mostram que mais de 50% dos alunos ingressantes são de escolas públicas, e desses, mais de 50% são mulheres. Este dado, combinado com evidências de que as mulheres geralmente se destacam em termos de persistência e profundidade em suas trajetórias educacionais, sugere um futuro promissor.
Essas transformações indicam que estamos, de fato, diante de um processo de aceleração na redução das desigualdades de gênero, ao menos em algumas frentes. Se esse ritmo puder ser mantido e intensificado, é plausível que os resultados futuros nos surpreendam positivamente. No entanto, para que isso aconteça, precisamos refrear os retrocessos que surgem, muitas vezes, como ondas de resistência ao progresso.
Legisladores que defendem que o papel da mulher se limita ao ambiente doméstico ou que se opõem a políticas de cotas de gênero em universidades e ambientes corporativos continuam sendo uma ameaça ao progresso.
Para evitar esses retrocessos, é fundamental que as políticas de igualdade de gênero sejam tratadas como prioridade nas agendas públicas e privadas. E, mais do que isso, é preciso que a sociedade como um todo compreenda que a igualdade de gênero não é um jogo de soma zero. Quando falamos em inclusão, falamos de criar um ambiente onde todas as pessoas possam prosperar, independentemente do gênero.
O relatório do Fórum Econômico Mundial serve como um chamado à ação. Precisamos continuar promovendo o acesso equitativo à educação e ao mercado de trabalho, garantir que as mulheres tenham oportunidades de liderança e poder de decisão e, principalmente, eliminar os preconceitos que ainda permeiam muitas de nossas instituições.
Devemos desafiar continuamente as narrativas que tentam restringir o potencial das mulheres e lembrar que o progresso verdadeiro só virá quando todos reconhecermos que a igualdade de gênero é uma condição necessária para um futuro mais justo e próspero.
Portanto, a mensagem é clara: o futuro será mais igualitário, mas somente se tivermos a coragem de enfrentar os desafios do presente com a firmeza de propósito e a clareza de visão. A igualdade de gênero é mais do que uma meta distante, é uma responsabilidade urgente e coletiva.
*João Roncati é diretor da People + Strategy, consultoria de estratégia, planejamento e desenvolvimento humano. Mais informações em site